SOCIALISMO: Um Projecto de Sociedade

Miguel Judas

 

A emergência e desenvolvimento do Capitalismo

Com a invenção da máquina a vapor e a subsequente possibilidade de concentrar a produção junto de uma fonte de energia centralizada, aquela mecanizou-se, o êxodo rural intensificou-se e as cidades sofreram um enorme crescimento demográfico e territorial. Acompanhada de sucessivos melhoramentos tecnológicos, a Revolução Industrial estava em marcha dissolvendo, com ela, as antigas relações comunitárias e sociais. A manufactura deu lugar à maquinofactura; esta tornou obsoletos e inúteis para a produção em larga escala as ferramentas e meios de trabalho que, ao longo das gerações, as classes trabalhadoras haviam possuído e utilizado na produção; os trabalhadores perderam o controlo dos processos produtivos tendo passado a trabalhar, como proletários assalariados, para patrões que eram possuidores das matérias-primas, dos meios de produção e dos produtos finais e, consequentemente, dos lucros. O que distingue o sistema social histórico a que chamamos capitalismo é o facto de, neste sistema, o capital passar a ser usado (investido) de forma muito especial. Passou a ser utilizado com o objectivo primário de auto-expansão. Neste sistema, as acumulações anteriores apenas são "capital" na medida em que são usadas com vista à obtenção de acumulações ainda maiores. (Immanuel Wallerstein "O Capitalismo Histórico") O Capital encontrara uma maneira de se reproduzir e acumular interminavelmente; ganhara "código genético" e, ao mesmo tempo que libertava a Humanidade das anteriores servidões, submetê-la-ia ao seu domínio nos séculos seguintes. Nascera o Capitalismo. A par do papel interno de manutenção da "ordem" no interior de cada país, os Estados, já predominantemente burgueses, tratavam de assegurar as melhores condições externas de desenvolvimento das respectivas burguesias nacionais concorrentes entre si. A regulação do comércio internacional, o acesso a fontes de matérias-primas e a mercados de consumo, por via diplomática ou militar, passou a constituir uma das funções essenciais desses estados nacionais. O Capitalismo, tendo intensificado a produção no quadro dos países onde a burguesia se tornou dominante, tendeu a alargar os seus territórios de intervenção. Por isso, a lógica de domínio territorial e de exploração social do antigo regime tributário manteve-se e, com ela, as guerras e a criação de laços de dependência de outros povos, designadamente através do colonialismo. Foi assim que, durante o século XIX, todos os povos que não tinham suficiente poder próprio, se viram submetidos a relações coloniais ou de dependência relativamente às principais potências capitalistas. O Colonialismo constituiu a segunda onda do processo de integração mundial. As potências europeias, com a Inglaterra como primeira potência mundial, dominavam colonialmente quase todo o mundo; os EUA dominavam, de facto, a América Latina, seu "pátio traseiro". O Capitalismo tornou-se imperialista, tendo dado lugar a duas Guerras Mundiais pela supremacia político-militar e económica mundial, pelo controlo dos mercados, das fontes de matérias-primas e dos recursos energéticos, em consequência das quais a anterior hegemonia inglesa no plano internacional, provinda do seu prolongado domínio dos mares e das principais rotas comerciais, foi substituída pela hegemonia norte-americana.

As lutas dos trabalhadores e dos povos

Na segunda metade do século XIX, o Capitalismo começou a revelar de forma notória a sua incapacidade para cumprir as "promessas" de desenvolvimento social proclamadas na fase progressista da burguesia, quando esta não era mais do que o sector mais avançado do Povo. A Liberdade e a Igualdade tinham ficado reduzidas, do lado das classes trabalhadoras, à liberdade de vender a sua força de trabalho no âmbito de um contrato jurídico entre "iguais". O "livre" assalariamento substituía, assim, as anteriores relações servis. No pólo oposto à imensa acumulação de meios de produção e de riquezas pela burguesia industrial e comercial, agrupava-se uma massa cada vez mais numerosa de proletários desprovidos de quaisquer meios de produção a viver e a trabalhar em condições sub-humanas. Emergiu então na história uma nova classe social, o proletariado, cada vez mais consciente de que a "Liberdade" burguesa era a sua submissão e que a "Igualdade" era uma impossibilidade sem a apropriação colectiva, por toda a sociedade, dos meios de produção. A sua libertação do assalariamento e da exploração capitalista só seria possível no quadro de uma luta universal pela construção de uma sociedade sem classes nem exploração do homem pelo homem, o Socialismo. Marx e Engels elaboraram a primeira e sistemática análise científica ao modo de produção capitalista, determinaram o seu carácter histórico e prognosticaram as condições para a sua futura substituição por um novo modo de organização social e de produção que resolveria todas as contradições antagónicas próprias das sociedades divididas em classes. As grandes concentrações operárias nas fábricas e nos bairros urbanos que lhes eram destinados, permitiram ao proletariado, especialmente industrial, aos operários, recriar autonomamente, então numa nova base cultural, os laços e estruturas associativas e comunitárias que lhes permitiriam assegurar não só uma base de vida solidária, através de múltiplas associações de toda a ordem (culturais, educativas, desportivas, editoriais e de comunicação, cooperativas de produção e de consumo, mutualidades, etc.), como enfrentar o inimigo de classe quer nas empresas, através de sindicatos e comissões de trabalhadores, quer, através dos seus emergentes partidos políticos, nas lutas pela democracia. Foi a partir dessa plataforma de auto-organização social e política que, em cada país e em solidariedade internacional, o proletariado se lançou, em aliança com outras camadas populares trabalhadoras, à conquista do poder político como primeiro e necessário passo para a ulterior transformação geral da sociedade. Desde o final do século XIX e durante todo o século XX, em todo o mundo, o proletariado e os trabalhadores levantaram as suas bandeiras libertadoras, pondo em causa o Capitalismo e o Imperialismo. Um longo e frutuoso caminho foi percorrido nessa direcção desde a primeira tentativa de criar um "mundo novo", a Comuna de Paris, em 1871, passando pela Revolução Russa e Soviética, a extensão do campo socialista a uma série de países da Europa Oriental na sequência da II Grande Guerra, as Revoluções Chinesa, Vietnamita, Coreana e Cubana e, também pelas lutas de libertação nacional que desmoronaram os antigos impérios coloniais. A existência de um campo socialista suficientemente forte e as lutas dos trabalhadores no campo capitalista obrigaram as burguesias dos países mais desenvolvidos a ceder a um conjunto de reivindicações económicas e sociais do proletariado e a instituir vastos serviços públicos de apoio, nos domínios da saúde, da educação, dos sistemas de pensões, etc. no quadro do que se chamou de Estado-social. " … Face às lutas dos trabalhadores, as oligarquias capitalistas do Ocidente eram obrigadas a fazer concessões, a conceder um mínimo de protecção social e de liberdade sindical, a proceder à negociação salarial e ao controle democrático da economia, pois era preciso a todo o custo evitar o voto comunista no Ocidente. Os partidos sociais-democratas ocidentais e as suas centrais sindicais, por seu turno, agiram como outrora os alquimistas da Idade Média que, com chumbo, tentavam fazer ouro. Transformaram em vantagens sociais para os clientes o medo dos capitalistas perante a expansão comunista." (Jean Ziegler, "Os Novos Senhores do Mundo") O desmoronar dos impérios coloniais e a adopção de políticas nacionalistas e progressistas em numerosos países do então chamado "terceiro mundo" vieram não só reforçar o espaço de acção económica e política do bloco socialista como tornar mais difíceis e gravosas as condições de exploração da "periferia" sub-desenvolvida pelos centros capitalistas.

Reestruturação Capitalista

A prolongada crise de acumulação do capital que percorreu toda a década de 1970 obteve a sua resposta através de uma profunda reorganização do sistema produtivo capitalista à escala mundial, no sentido de fragmentar os grandes grupos empresariais integrados verticalmente (chamados "da fase industrialista") em empresas autónomas por "áreas de negócio" e na criação de numerosíssimas pequenas e médias empresas satélites de fabricação ou de prestações de serviços em outsourcing, mantendo nos grupos-mãe somente um reduzido e altamente qualificado núcleo central de integração (assemblagem final, controlo de qualidade, contratação e controlo dos processos relativos à produção e à comercialização, serviços financeiros, etc.) e de concepção de processos de "alto valor acrescentado", frequentemente de âmbito multinacional. Deste modo, os principais grupos empresariais capitalistas libertaram-se dos encargos da grande parte dos trabalhadores, provocaram a sua fragmentação e disseminação pelas empresas dependentes das suas encomendas, conseguindo uma substancial redução de custos e a externalização para a sociedade e para os Estados de grande parte dos custos das flutuações cíclicas do processo capitalista.

A Terceira Onda de Integração Mundial e o Império Norte-americano

Esse modelo de organização permitiu intensificar a concorrência à escala global (a Globalização Capitalista) entre as PME "dependentes", através de contratos de fabricação ou de serviços cada vez mais baratos realizados em qualquer país, provocando sucessivamente uma baixa de salários nos países mais centrais, o encerramento de empresas e a deslocalização das actividades para os países "mais competitivos". Esta "competitividade" resume-se, nos países anfitriões desta "nova industrialização", especialmente países do Oriente, à restauração extensiva dos métodos de produção ao domicílio próprios da fase manufactureira do capitalismo, das oficinas e fábricas típicas do século XIX na Europa, laborando em condições sub-humanas, nos baixos salários dos trabalhadores e na concessão, pelos respectivos governos, de facilidades fiscais e de infraestruturas para a captação de investimento externo. Com a intensificação da precarização do trabalho da grande massa dos trabalhadores "menos qualificados" (diga-se operários) dos países centrais, reduziu-se substancialmente a unidade dos trabalhadores e a capacidade reivindicativa dos sindicatos, com reflexos negativos na sua acção política. O debilitamento interno e a posterior derrocada da União Soviética constituíram a oportunidade para uma grande contra-ofensiva do capitalismo e do imperialismo à escala mundial, conduzida pelos círculos dirigentes dos EUA, sob a designação de "Consenso de Washington". O extraordinário desenvolvimento das redes logísticas e de transportes por todo o mundo, sustentada em baixos preços do petróleo, veio reforçar a tendência para a reorganização e optimização, na perspectiva capitalista, das redes produtivas, de abastecimento de matérias-primas e de distribuição à escala global, dominadas por grandes corporações trans e multinacionais. Reforçou-se assim o "sistema-mundo" capitalista, conduzindo a uma grande interdependência de todos os seus componentes. Na ausência de instâncias internacionais de "governo democrático" desse imenso tráfico, controlado exclusivamente pelas trans e multinacionais e pelo capital financeiro internacional, reduziu-se extraordinariamente a capacidade de intervenção dos Estados nacionais perdendo estes, de facto, a anterior capacidade de intervenção económica. O Capitalismo, que antes se desenvolvera numa base industrial e apoiado por sucessivas inovações tecnológicas, e por eficientes métodos de gestão empresarial, evoluiu no sentido da submissão da produção industrial aos interesses dos sectores financeiros (a chamada financeirização da economia), tal como antes havia submetido a agricultura aos interesses industriais. Vários filmes norte-americanos mostram o processo de desintegração do antigo grupo dos grandes empresários industriais, cujo Capital estava corporizado em meios de produção, em empresas industriais, e a emergência de um novo tipo de capitalistas financeiros que adquiriam os grupos industriais, os fragmentavam e revendiam "em peças", transformando as empresas e os seus meios de produção em meros activos financeiros de conjuntura. Assim como o grande capital na sua fase industrial procurou "esmagar" os preços agrícolas tanto para a obtenção de matérias-primas baratas como para que os cidadãos das cidades pudessem tornar-se compradores de produtos da indústria, hoje o grande capital financeiro procura "esmagar" os preços dos produtos industriais para que todo o excedente dos rendimentos possam ser absorvidos pelos juros e amortizações de dívidas. O esmagamento dos preços dos produtos industriais é realizado através do abaixamento geral dos salários dos trabalhadores e da progressiva externalização de custos para os Estados nacionais através de concessões fiscais, encargos de "flexibilização" do trabalho, construção de infraestruturas, tarifas preferenciais, etc. O capital financeiro "desterritorializou-se" e criou instrumentos de livre e instantânea movimentação por todo o mundo, designadamente através das "off-shore", evadindo-se à soberania dos Estados e ao controlo democrático dos povos. Como corolário dessa "desvinculação democrática", a classe da grande burguesia internacionalizada desvinculou-se igualmente do destino dos povos do mundo e da sua simbólica "responsabilidade social", deixando de assumir directamente funções de gestão e passando a contratar para o efeito um corpo de "mercenários da gestão empresarial/financeira" altamente remunerados – a chamada classe de gestores profissionais - que, sem quaisquer escrúpulos morais ou sociais, lhes maximizam os lucros (a "remuneração dos accionistas"). Sob este "modelo de gestão" agudizaram-se fortemente as perversões intrínsecas ao sistema capitalista (anarquia da produção e crises periódicas, desenvolvimento desigual e polarizado à escala do mundo e em de cada país, irresponsabilidade social, devastação ecológica e ambiental), tornando-se o Capital, agora "financeirizado", essencialmente especulativo, parasitário e gerador de crises de consequências cada vez mais sistémicas e graves. Por essa razão, os EUA, centro estratégico do capital financeiro internacional, se especializa cada vez mais na nas tecnologias bélicas mais avançadas e na actividade da guerra e recorre cada vez mais ao mercenariato (sob a designação moderna de outsourcing) e à utilização de tropas "indígenas" dos Estados avassalados para assegurar o seu domínio mundial. A globalização económica e financeira Capitalista foi acompanhada, a coberto da "luta contra o terrorismo", de uma extensa e profunda operação estatal de integração dos sistemas de segurança e defesa de todo o chamado "mundo ocidental" sob a direcção norte-americana, consolidando assim o potencial do "sistema-mundo" centrado nos EUA. A actual "crise" financeira e económica global, contrariamente à propalada "regulação do sistema financeiro global", está a resultar, de facto, numa grande operação de submissão dos Estados dependentes e das suas populações pelo capital financeiro internacionalizado, usando para o efeito as dívidas financeiras que, antes, lhes foram fomentadas. De modo semelhante ao que já antes acontecera no âmbito das revoluções burguesas, nas quais o Capitalismo superou os espartilhos medievais que entravavam a criação de espaços económicos (mercados) mais amplos, o Capitalismo da era da actual onda globalizadora não só superou os limites dos actuais estados-nação e criou um espaço económico único, à escala mundial e se libertou da obrigação de lhes pagar tributos (impostos) como, simultaneamente, ludibriou os mecanismos de controlo democrático que os povos haviam conquistado no âmbito dos respectivos Estados nacionais. Assim, o "sistema-mundo" acima referido é caracterizado pela criação de uma nova ordem mundial dirigida pelo grande capital privado e executada, no plano político, pelos governos das maiores potências, caracterizada por dependências políticas e financeiras em cascata, a qual configura, pela nova distribuição de papeis ao nível global, a antiga ordem feudal na qual os antigos tributos parasitários são agora substituídos pelas dívidas e encargos financeiros dos cidadãos, das instituições sociais, pelos sistemas produtivos "nacionais" e pelos Estados. À medida que os governos, as economias e os cidadãos dos países que vão sendo captados na armadilha das dívidas, são empurrados para o progressivo aniquilamento dos mecanismos do Estado-social (educação, saúde, emprego, segurança social) e forçados à rápida privatização de recursos naturais, de serviços, empresas e infraestruturas públicas, para poderem aceder a algum fluxo de recursos financeiros internacionais. Representando os Estados, em condições de democracia política, uma expressão da vontade dos respectivos povos, a drástica redução das capacidades económica e financeira dos Estados corresponde a uma massiva expropriação colectiva e à sonegação da capacidade dos povos de exercerem a sua auto-determinação fora da dependência do grande capital privado internacional. A soberania republicana dos povos, proclamada no âmbito das revoluções burguesas, vê-se, assim, revertida e privatizada, em favor de uma nova oligarquia internacional hereditária.

Derrota Estratégica do Proletariado

O movimento proletário e dos povos oprimidos manteve, sob os ideias socialistas, uma ofensiva estratégica bem conseguida até meados da década de 1970, materializada no amplo e vitorioso movimento descolonizador e de libertação nacional, no movimento dos países "não-alinhados", na derrota norte-americana no Vietname, Laos e Cambodja, na implantação de um governo popular no Chile e na queda das ditaduras europeias em Portugal, Espanha e Grécia. Porém, a partir dessa época, já eram notórias as perversões do "socialismo real" centrado na URSS, com reflexos nos ritmos de desenvolvimento económico e em atitudes internacionais de tipo imperialista, acendendo uma luta ideológica intensa tanto sobre a essência do Socialismo como sobre as estratégias, tácticas e métodos de acção política, com reflexos muito negativos no movimento internacional do proletariado. Por outro lado, a reorganização e fragmentação empresarial capitalista à escala mundial não foi acompanhada por novas e adequadas estratégias de acção e formas de organização pelos sindicatos e partidos proletários tradicionais, daí resultando uma forte diminuição da sua capacidade de luta reivindicativa e política, problemas que, ainda hoje, não se encontram resolvidos. Com a derrocada da URSS assistiu-se não só a uma desorientação ideológica generalizada a uma significativa debandada para posições políticas acomodadas à nova hegemonia imperialista, como também à rendição ao grande capital de largos sectores representativos dos trabalhadores e das classes populares, designadamente os mais influenciados pela social-democracia. Por essa razão, a ofensiva global do grande capital internacional e dos seus suportes político-militares e mediáticos não contou com uma acção concertada dos povos e dos trabalhadores à escala global no sentido de defender as suas conquistas democráticas e socioeconómicas e impedir as consequências mais nocivas do modelo de globalização prosseguido, tanto por inexistência das necessárias estruturas de concertação internacional como pela desorientação e oportunismo político e ideológico dos partidos e sindicatos tradicionais, os quais ou se "renderam" ou continuaram a proceder como se nada se tivesse passado. A única iniciativa nesse sentido com alguma notoriedade global partiu de grupos e sectores de cidadãos que se organizaram e mobilizaram à margem das estruturas partidárias e sindicais tradicionais em manifestações "anti-globalização" de impacto mediático, ou de movimentos sociais autónomos, no âmbito de Fóruns Sociais Mundiais e Regionais mas, para além do seu impacto inicial ao nível do "despertar de consciências" para os graves problemas verificados e de alguma articulação internacional que possibilitaram, parece terem perdido algum vigor. O movimento sindical dos trabalhadores, apesar de contar com algumas estruturas de articulação internacional e mundial, mantém-se, globalmente, passivo, como reflexo tanto da fragmentação partidária do proletariado e dos bloqueios à unidade que daí decorrem, como da sua burocratização e "desligamento" relativamente aos cidadãos "não activos", cuja percentagem em relação aos "activos" tenderá a continuar a crescer. Só nos últimos anos a reacção das massas populares aos efeitos sociais e políticos mais gravosos da "globalização" Capitalista se fez sentir de modo prático e consequente mediante a reconquista, pelas grandes massas oprimidas, do poder político à escala nacional, mediante a eleição de personalidades e governos delas representativas, como foi o caso de alguns países da América Latina e parece ser o caso da actual onda democrática no Norte de África e Médio Oriente, dois dos "pátios traseiros" do imperialismo. Este fenómeno evidencia tanto o falhanço geral dos partidos tradicionais do proletariado, cada vez mais desligados da realidade dinâmica das grandes massas, como a validade de uma acção política contundente e unitária à escala nacional, no sentido da retomada da soberania política e económica e da implantação de modelos democráticos superiores à mera democracia representativa. A reconquista do Poder Político ao nível dos Estados nacionais pelos respectivos povos (massas populares, trabalhadores e sectores burgueses patrióticos), através de movimentos de democracia participativa e radical e a sua assumpção como "Estados/Sindicatos" nacionais que se opõem ao imperialismo e à chantagem do capital financeiro internacional, parece ser uma das vias mais consequentes para, directamente ou em solidariedade com outros povos, se poder influenciar a marcha do mundo e modelar democraticamente a integração mundial. Este instrumento terá ainda a vantagem de se apoiar em processos de participação democrática já conhecidos pelos povos e, também, de assentar numa base institucional eficiente que, em vez de submetida e depauperada pelo imperialismo, se poderia voltar a fortalecer. Daqui a importância que continua e continuará a ter no futuro a referência nacional para a melhor gestão dos processos globais, a nível mundial. Todos estas questões têm suscitado, especialmente nos últimos 20 anos, um grande debate entre os revolucionários socialistas quanto às razões dos insucessos verificados nas tentativas de abrir a perspectiva socialista para o desenvolvimento mundial, à capacidade de adaptação do Capitalismo a diferentes conjunturas, às estratégias e tácticas da conquista do poder pelos trabalhadores, às alianças sociais e políticas e à própria configuração do Socialismo. No entanto, enquanto não for possível "construir" um conjunto adequado de mecanismos de articulação democrática de âmbito global, os povos e os trabalhadores continuarão inaptos a responder à actual "globalização capitalista" e a afirmar a "globalização necessária".

Do Império ao Mundo Multipolar

No entanto, a integração capitalista prosseguida nos últimos 25 anos trouxe resultados contraditórios relativamente às expectativas de dominação mundial pelos EUA. Assim, na busca de taxas de lucro mais elevadas, os capitais afluíram aos países possuidores de mão-de-obra mais barata qualificada e disciplinada, fazendo deslocalizar a produção industrial mundial dos centros produtivos norte-americanos e europeus para aquelas novas regiões, designadamente do oriente. A redistribuição global da produção industrial e dos fluxos comerciais fizeram emergir novas potências económicas e alianças regionais e estratégicas que configuram uma decadência gradual dos anteriores centros capitalistas norte-americanos e europeus e que já impuseram alguma retracção ao unilateralismo internacional dos EUA.

Capitalismo: o fim da sua Missão histórica

Tendo embora constituído um factor de grande desenvolvimento global da Humanidade, o Capitalismo, cada vez mais desvinculado das necessidades reais dos povos, anuncia o final da sua missão histórica que foi, em suma, ter integrado economicamente todo o mundo e ter desenvolvido métodos altamente eficientes de organização da produção que constituem a base de edificação da nova sociedade Socialista. ..., todas as etapas históricas que se sucedem nada mais são que outras tantas fases transitórias no processo de desenvolvimento infinito da sociedade humana, do inferior para o superior. Todas as fases são necessárias, e, portanto, legítimas para a época e as condições que as originam; uma vez, porém, que surgem condições novas e superiores, amadurecidas pouco a pouco no seu próprio seio, elas caducam e perdem a sua razão de ser e devem ceder o lugar a uma etapa mais alta, a qual, por sua vez, também terá um dia de envelhecer e perecer. (Friedrich Engels, "Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia Clássica Alemã", 1886) Ao mesmo tempo que, a nível global, o Capitalismo reconstitui hoje, com diferentes roupagens, a antiga ordem medieval privada, hereditária e tributária, perdeu a sua capacidade de promover o desenvolvimento de muitos povos e países que não passaram por revoluções burguesas e de unificação nacional, onde continuam a subsistir os traços dominantes de ordens sociais e políticas anteriores, como o tribalismo e o despotismo, tendo, ao contrário, passado a proteger as oligarquias locais com que cada vez mais se identifica. Tendo atingido há muito o apogeu da sua capacidade civilizadora, o Capitalismo, como "sistema-mundo" e estrutura socioeconómica hegemónica, entrou em processo de decadência e degeneração, perdeu a legitimidade perante os povos, tornando necessária e urgente a sua substituição.

 

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